quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

HOMOFOBIA OU AMOFOBIA




Dourado virou o candidato anti-GLS do “BBB”?
A principal supresa do “Big Brother 10″ me parece ser a reinvenção de Marcelo Dourado. De coadjuvante pouco expressivo na quarta edição do programa, ele passou agora a protagonista multifacetado.

A percepção do público sobre Dourado também mudou bastante entre as duas edições. Em sua primeira participação, ele foi eliminado no primeiro paredão a que foi indicado, com 68% dos votos. Desta vez, ele escapou da eliminação com apenas 12% dos votos. Um resultado ainda mais expressivo levando em conta a tese de que o público iria rejeitá-lo por já ter tido uma chance anterior – como aconteceu com Josiane há poucas semanas.

Isso nos leva a um mistério, talvez o principal do “BBB 10″ até aqui: qual é a razão dessa súbita popularidade, ou pelo menos da baixa rejeição, de Dourado? Minha tentação inicial é explicá-lo pelo “fator Kleber BamBam”: assim como o vencedor do primeiro “Big Brother”, Dourado foi isolado pelos outros participantes e vestiu bem o papel de vítima (embora não indefesa, passiva, pacífica).

Mas desconfio que há existe uma explicação a mais para sua aceitação pelo público. Antes, vou deixar bem claro: isso é apenas uma hipótese, uma conjectura, não dá para saber o que se passa na cabeça do público, e o conceito de público em si é algo vago, sem contorno. Então vamos lá: para mim, Dourado se tornou o candidato das pessoas anti-GLS. Um bastião da heterossexualidade na casa. Um voto de protesto contra a presença na casa de um gay, uma lésbica, uma drag queen.

Diante dos candidatos GLS, Dourado age da mesma forma agiria uma fatia considerável da população brasileira: diz que não tem nada contra, desde que não invadam seu espaço; fica bolado se insinuam que pode haver uma tensão homoerótica entre ele e um gay (como fez Pedro Bial em relação a Dicesar); pode ser delicado e compreensivo com uma lésbida num momento e depois soltar uma asnice como “homem heterossexual não contrai Aids”.

O resto dos candidatos age com naturalidade diante de Angélica, Dicesar, Sergio – o que, a meu ver, claro, é a única maneira de agir. Mas há muita gente que não pensa assim. De onde eu tirei isso? De uma fonte pouquíssimo confiável: um texto que escrevi sobre a estreia do “BBB 10″ há cerca de um mês, notando que esta seria a edição GLS do programa. Muitos dos mais de 700 comentários condenavam a decisão da Globo, achavam que a presença dos três era uma afronta, que a homossexualidade não é “normal”. Pois bem, Dourado é o único candidato da casa com quem essas pessoas podem se identificar.

Se a intenção da Globo ao bolar uma edição GLS era hastear a bandeira da aceitação, a tentativa pode ser fadada ao fracasso. Eu prevejo uma polarização entre Dourado e os candidatos gays, com o público tomando partido de acordo com suas convicções sexuais e religiosas. Mas, se o objetivo era levantar a discussão e causar polêmica, eles devem ser bem-sucedidos.

A relação do público do “BBB” em relação a Dourado me lembra a do público em relação ao Capitão Nascimento de “Tropa de Elite”. A despeito das intenções do diretor do filme, o personagem foi adotado por parte dos espectadores justamente pelo que ele tinha de mais questionável: a truculência, o desejo de justiçamento. Já Dourado, que tem se revelado uma figura mais multifacetada do que eu poderia supor, pode ter sido abraçado por muitos telespectadores por causa de suas limitações: o preconceito, a intolerância.

Autor: ricardo calil